Alphonsus de Guimarães

Soneto I

Mãos que os lírios invejam, mãos eleitas
Para aliviar de Cristo os sofrimentos,
Cujas veias azuis parecem feitas
Da mesma essência astral dos olhos bentos;
Mãos de sonho e de crença, mãos afeitas
A guiar do moribundo os passos lentos,
E em séculos de fé, rosas desfeitas
Em hinos sobre as torres dos conventos.
Mãos a bordar o santo Escapulário,
Que revelastes, para quem padece,
O inefável consôlo do Rosário;
Mãos ungidas no sangue da Coroa,
Deixai tombar sobre minh'alma em prece
A benção que redime e que perdoa!


Soneto II

Como se moço e não bem velho eu fosse,
Uma nova ilusão veio animar-me,
Na minh'alma floriu um novo carme,
O meu ser para o céu alcandorou-se.

Ouvi gritos em mim como um alarme.
E o meu olhar, outrora suave e doce,
Nas ânsias de escalar o azul, tornou-se
Todo em raios, que vinham desolar-me.

Vi-me no cimo eterno da montanha
Tentando unir ao peito a luz dos círios
Que brilhavam na paz da noite estranha.

Acordei do áureo sonho em sobressalto;
Do céu tombei ao caos dos meus martírios,
Sem saber para que subi tão alto...


Soneto III

Desesperanças! réquiem tumultuário
Na abandonada igreja sem altares...
A noite é branca, o esquife é solitário,
E a cova, ao longe, espreita os meus pesares.
Sinos que dobram, dobras de sudário!
No silêncio das noites tumulares
Há de surgir o espectro funerário,
Cujos olhos sem luz não tem olhares.

Santo alívio de paz, consolo pio,
Fonte clara no meio do deserto,
Manto que cobre aqueles que têm frio!

Eis-me esperando o derradeiro trono:
Que a morte vem de manso, em dia incerto,
E fecha os olhos dos que têm mais sono...


Soneto IV

Quiseras ser a Laura de Petrarca
E ter o nome engrinaldado em oiro...
Sentir-te a branca, etérea, sublime arca
Adonde poisaria o amor vindoiro...

Beatriz que Dante, o sempiterno, marca
Com o gênio e do céu faz o mor tesoiro...
Natércia que Camões, vencendo a Parca,
Imortaliza pelo Tejo e Doiro...

Quiseras ser qualquer das três, ou ainda
Essa, que tem p'ra nós memória infinda,
Bucólica Marília de Dirceu...

Mas se eles eram tudo e eu não sou nada,
Nenhuma foi como tu foste amada,
Nenhum deles na terra amou como eu!