Ouvir Estrelas


"Ora (direis) ouvir estrelas! Certo
Perdeste o senso!" E eu vos direi, no entanto,
Que, para ouvi-las muita vez desperto
E abro as janelas, pálido de espanto...
E conversamos toda noite, enquanto
A Via Láctea, como um pálio aberto, Cintila.
E, ao vir o sol, saudoso e em pranto,
Inda as procuro pelo céu deserto.
Direis agora: "Tresloucado amigo! Que conversas com elas?
Que sentido Tem o que dizes, quando não estão contigo?"
E eu vos direi: "Amai para entendê-las!
Pois só quem ama pode ter ouvido
Capaz de ouvir e de entender estrelas".

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Remorso


Às vezes uma dor me desespera...
Nestas ânsias e dúvidas em que ando,
Cismo e padeço, neste outono, quando
Calculo o que perdi na primavera.
Versos e amores sufoquei calando,
Sem os gozar numa explosão sincera...
Ah! Mais cem vidas! com que ardor quisera
Mais viver, mais penar e amar cantando!
Sinto o que desperdicei na juventude;
Choro neste começo de velhice,
Mártir da hipocrisia ou da virtude.
Os beijos que não tive por tolice,
Por timidez o que sofrer não pude,
E por pudor os versos que não disse!

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A Velhice


Olha estas velhas árvores, mais belas
Do que as árvores moças, mais amigas,
Tanto mais belas quanto mais antigas,
Vencedoras da idade e das procelas...
O homem, a fera e o inseto, à sombra delas
Vivem, livres da fome e de fadigas:
E em seus galhos abrigam-se as cantigas
E os amores das aves tagarelas.
Não choremos, amigo, a mocidade!
Envelheçamos rindo. Envelheçamos
Como as árvores fortes envelhecem,
Na glória de alegria e da bondade, Agasalhando os pássaros nos ramos,
Dando sombra e consolo aos que padecem!

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Primavera


Ah! quem nos dera que isso, como outrora,
inda nos comovesse!
Ah! quem nos deraque inda juntos pudéssemos agora
ver o desabrochar da primavera!
Saíamos com os pássaros e a aurora,e,
no chão, sobre os troncos cheios de hera,sentavas-te sorrindo,
de hora em hora:"Beijemo-nos! amemo-nos! espera!"
E esse corpo de rosa recendia,e aos meus beijos de fogo palpitava,
alquebrado de amor e de cansaço....
A alma da terra gorjeava e ria...
Nascia a primavera...E eu te levava,
primavera de carne, pelo braço!

(Olavo Bilac)